Rua da Moeda – tapa na cara dos reaças

rua da moeda

enquanto
o poeta reaça
na lagoa
(maranhense) carioca
realça a garça
e condena o rock

lá em recife
a turma dança
de negro (fear of the dark)
e canta contra

(quanto mofo
gullar/tinhorão
surdo ao novo
patronos do pagode
banal)

tapa na cara dos reaças:

rua da moeda
dos punks do heavy
do soco socorro
metal pernambuco
contra a paralisia mental

enquanto
um passadista
síntese da direita
do preconceito
da retro seita
brada armorial

na rua da moeda
camisetas negras
mimetizam arrecifes
contra a onda
do fácil fascio
o burro coro coreto
nacional-popular

(quanto mofo
intolerância tola
implicância ditadura
na voz do velho
ariano feito dogma
preconceito feito god)

tapa na cara dos reaças:

rua da moeda
onde rock faz mais sentido
ácido pesado e divertido
contra a nação mesmice
um louco pernambuco dadá

Frederico Barbosa
(in Invenção Recife – Coletânea Poética 2, Recife, Fundação de Cultura, 2004)

Make it new

 

Image

um ano só se torna novo
se feito com o desejo
da sempre revolta, 
de partir do zero, 
recriar-se como ovo,

se criado com a coragem
de quem não se importa
em refazer a viagem, 
abandonar todo conforto

se fruto da necessidade 
de recriar-se sem volta
aventurar verdades
sem mapa sem porto

necessidade, coragem, desejo:
um ano só se torna novo 
sem medo

Frederico Barbosa

Na Lata,  Iluminuras, 2013

SEM NEM

SEM NEM

para Amador Ribeiro Neto

sem crer e

m nada sem

a mais vag

a esperanç

a de mudar

algo assim

parado sem

forças par

a levantar

um grito o

u mesmo fa

lar com ca

lma a resp

eito de sa

ídas possí

veis nessa

coisa seca

sempre cri

se eternam

ente esper

ando o fim

sem crer e

m nada nem

na mais re

mota possi

bilidade d

e levar as

coisas com

calma ou a

lguma tími

da disposi

ção e cora

gem se nad

a pode res

gatar dess

a frieza t

riste do s

ofrer-se f

ardo lento

sem crer e

m nada nem

na palavra

sem crer e

m nada sem

mover um m

úsculo par

a evitar a

decadência

geral de t

odos nos s

entidos tr

avados des

educados n

o todo pas

mo ativo e

mal-cheiro

so lodo fi

ngido de l

eve e novo

verme cont

agioso ser

nem crer e

nem ilusão

sem crer e

m nada sem

vontade de

subir ou c

rescer naq

uilo que s

e chama de

vida e não

passa de i

lusão de ó

tica entor

pecer de t

odos os se

ntidos pri

ncipalment

e o olfato

inevitável

penetrando

incerto co

mo vida fi

nge engano

sem crer e

m nada nem

na fuga ne

m na poesi

a de lutar

nem na beb

ida nem na

droga no d

escontrole

nem na raz

ão sem lóg

ica de sup

or algum s

entido ima

ginário em

tudo que h

á mas cont

inua doend

o sem sent

ido por se

r louco ar

sem crer e

m nada sem

remorso po

r não crer

nem querer

crer nem p

oder ver a

crença dos

outros com

o o remédi

o a seguir

por absolu

ta falta d

e respeito

por qualqu

er sim ing

ênuo mesmo

no vácuo m

ais horren

do da iron

ia intensa

sem crer e

m nada nem

no final n

o apocalip

se das van

guardas ne

m na morte

de qualque

r sonho ou

ou mesmo i

deologia e

em quem af

irma qualq

uer fim de

utopia nem

nas funçõe

s da poesi

a seja par

a seja por

rota aflit

a sem guia

sem crer e

m nada sem

certeza em

cada letra

lida alarg

a a alergi

a ao acord

o cresce a

impossibil

idade de d

iálogo afu

nda o hiat

o com todo

s seguidor

es simples

de suas pr

óprias cer

tezas tont

as e segue

um rio sol

itário não

sem crer e

m nada nem

em saída c

alma nem s

oluções pa

cíficas ne

m revoluçõ

es sangren

tas nem na

via indivi

dual ou no

coletivo s

uicídio co

nsolador n

em na pura

fruição fu

tura dos o

bjetos des

sa arte se

m objetivo

s ou calor

sem crer e

m nada sem

paz ou von

tade certa

sem crer e

m nada nem

na linguag

em concret

a sem crer

em nada ne

m na queda

da históri

a ou furos

no tempo s

em crer em

nada nem n

o silêncio

do nada ne

m sem nada

nem sem se

m nem nada


(Nada Feito Nada,1993)

CERTA BIBLIOTECA PESSOAL 2011

 

CERTA BIBLIOTECA PESSOAL 2011

para João Alexandre Barbosa

  

I

este

você não vai ler

todo

poema é me

nos

sem

leitor as

sim

tão ás

 

II

 

o tanto que

você não vai ler

tanto faz

 

s

importa

o tanto

me

nos

você vi

verá

 

III

 

 

me

surpreendo

nos

seus gestos

eu?

 

 

IV

 

 

som

os

so

mos

 

V

 

o

agora sem lei

tura   sem me

mória

 

sem cura se

m estória

 

o

ago

ra

long

ago

nia

 

VI

 

 

sem poe sem

pai sem boa viagem

 

sem camus sem

eliot sem coragem

 

sem joão sem

paul sem sebastião

 

sem jorge sem

quixote sem obsessão

 

sem dostoievski

sem biografia

sem intervalo

sem poesia sem

sem solução

POESIA E PORRADA

para José De Paula Ramos Jr.

punch

 

De tanto tomar porrada

pedrada cuspe tapão

engolir sapos

cobras e lagartos

mascar rancor

saco roto de pancadas

eu

insulto

calei.

 

E petrifiquei

recusa muda

feito coisa só res-

saca só sono só res-

sentimento.

Minha poesia nada rala

que de ira se irrigava

secou

esquecida e rara.

Só lia e nada

impactava.

Tédio recato tédio

nos versos alheios.

E eu repetia falas sagradas

estante estéril

mote metralha

no esforço

de relembrar

o inverso do bocejo:

“Estou farto do lirismo comedido”

“Fera para a beleza disso”

“Te escrevo fezes”

“Mas ainda não é poesia.”

E agora que impera o chato

o gesto eco

o versinho pré-parnaso

o correto dito certo

pé no gesso

regrado

pé no saco

dispenso a pose polida

e disparo petardos

incertas pedras

chutes feridas

de pé descalço

arrisco sem meta

ou metro estimado.

 

Eu

insulto

revolto o gesto.

Solto minha rocha em versos

pedras-de-raio

estrelas cadentes

chuva de meteoros indigestos.

Porradas, vinde: voltei.

LOUCO NO OCO SEM BEIRAS

stieglitz2

o acordar é o
grave o

dia o
diabo o
diabólico o

sono o
sono o

horror o
chumbo o
mais que profundo o

todo o dia o
sempre o
diabo azul o
branco o

desespertador

começo-me
como quem grita sem
luz sem voz sem vis sem vez sem mais

desfocado
fora de faro
formigando em
câmera lenta

sem coragem
sem o que me dispare

vou
saio da (caio da

cama
coma
como
quem
se con-
some
so) nado

acordo
ao  eu
abalo

troco-me no tremor
do atraso

de mente névoa o
pedido: cama!

do relógio o
grito: bravo!

o atraso o atraso o
duas horas de sono
descompasso

quando muito duas horas

outras tantas horas
passo me decompondo

quantas muitas outras horas

passam com desdém
no eu opaco

horas
passam eu passo
a noite em branco
descompasso

procuro no vão
pegar
no sono do sono sem sono
apagar
do sono no sono sem sono

procuro no vão
do sono

rondam fantasmas
lembranças lentes
resgates graves
do esquecimento:

rolam farrapos
detalhes frágeis
resquícios do dia
entraves lentos :

talvez razão na insônia
talvez insânia

anos:
nos meus oito
a aurora

ardia

infância

que
ri
da

vida


para não chorar

nos meus oito
deslocado: calava
( aquele menino tão bonzinho quietinho
quietinho (diziam
( e nem eu sabia como não ser como já
não queria (viver
( essa triste corrosão mais que doença
já mais que (não

na minha infância
doente
cansava noites
lendo só viagem
doendo doendo

até que
a aurora já
trazia a dor
real do dia
grito solar

perdi meu sol do nordeste
por esse ressentimento
eu exílio sono lento

aos quinze era camus
que não me deixava dormir
estrangeiro em mim

de camus em diante
deitava descrente
e me deixava sentir
na cama morto o
morto

sentir o inútil o
nada se não há
como fingir-se nada
ir ao suposto o
nada se não há nada
além do nada

eis a piada
mas não sorria
incapaz

tremia
simulacro de vácuo
sem paz
nesse buraco

nunca cri
nunca quis outro plano

nunca soube
por engano ser feliz

na treva névoa
da clara lucidez

restou-me esse
desprezo essa mudez

a consciência
ronda
da morte
impede na pele
ronda
no sono
impele pede
a consciência

e volto
ao
velho
zero
rarefeito
nada o

o que me espanta não é a morte
é ouvi-la tão aguda
que por sorte não se escuta
sonos:
dos meus oito
um pesadelo velho

linhas cores correm horrores o
desencontro sem ritmo pacto
decomposição do abstrato

acordava absurdo
ouvido amplificado
distante das coisas
todas
do ar de mim
aos quinze
uma borboleta negra
pousou em mim

me descobri escuro
olhos vidrados na morte
gritos mancos no corredor

era só um bicho
e eu o monstro voador

agora
acordo
ao eu
abalo
armado

saio da cama
barata
que range
sem saída
como rato
enjaulado

sem sal
nem samsa
que salve
desse mal

caio da cama
no abismo compromisso

saio tarde demais
morto demais
para um café
para pensar em ser

os obstáculos
como teias cheias
de tentáculos

o
elevador o
trânsito o
horror o

trabalho o
sempre mesmo o
desconsolo vago

dou só
suado a aula
pânico frontal

mímico no escuro
grito no vácuo
carta que se perdeu
no atalho marginal

poesia ou geometria:
nada comove
passam pontos planos retas
nenhum som ou rosa envolve

tudo tomba
semente em pedras
tumbas
eu
professor estou

e dou só
aquela aula
densa
pesadelo
sem tato
que se pensa

e é só pó
de mico
nesse carnaval

tontos
só querem
a brisa
leve só
que neutraliza
o difícil necessário
que a gente finge
ensinar só
quem poderia me ouvir
nessa angústia
a quem interessaria o
meu poço o
esforço pendular
quem quer saber
do meu umbigo o
nariz perdido
sem um cavalo magro
sigo no carro calado o

perdi a chave
não paguei

perdi os óculos
não fechei

perdi a carteira
não olhei

surtei

os sustos
dos pequenos surtos o

soco na parede o
chute na porta o
punho na mesa o

ódio do sólido o
suor da pancada o
peso da barra o

que é pior
a vergonha o
espetáculo o
louco show do horror

tudo quebra
carro vaso tv

as coisas caem
sem o saber

só eu me quebro
contra a parede
por querer

sem um puto
e ainda puto com tanto
poeta prosa
escuto do povo
um poema joyce rosa:
“pobrema é coisa de pobre seu moço”

e vomitei meu almoço

e se o dente doer
esqueço

sem dinheiro sem conserto
nervo exposto desespero

esqueço
panaca
não entende a minha raiva

tem tudo
e vence
e vem se gabar
na minha cara

não lhe dói o dente
nada é sem remédio
não ficou sem um puto
não tropeça por aí
de sono e tédio

não entende
é esperto

panaca
não me fale em planos
de vida ou outros tantos

não me venha com projetos
certos perfeitos retos

danem-se os orçamentos

vivi torto porque quis
felizmente infeliz

sou bomba sem pacto
pavio curto de cacto

e saia de perto
que é estouro certo
sem o que me dispare
gatilho armado
destempero

explodo (sic) em erros

cheio disso daquilo
de quem me diz: pára!

por nada às armas
nitroglicerina ensimesmada

sem o que me disparo

qualquer contratempo
deflagra
atiro pedras latidos sem causa

descontrole emocional
dirá o boçal

mas só a raiva me salva
de ser seu igual

só latidos ao

só a raiva me salva
desperta concreta

o resto é a sombra
áspera
do mal cheiro geral

sombra insípida
entorpecendo os gritos
anestesiando
incompletos
arremedos de bocejos

perco meu tempo
no lixo fácil
no banheiro internet
no esporte da tv
desperdiço-me anos
como se passaram tantos
como

papo de chat
chato chato
mal de e-mail
virtualidades banais
e meu tempo se vai
on-line

o mundo se arma
para o blá-blá-blá

satélite browser
telefone celular

ondas e sondas
sem ter o que falar

e depois a culpa
ainda a culpa
a sempre culpa o

remorso o
descontrole o
lamento o
desperdício o

remoer o dia inteiro

nem nas horas de folga
nas poucas horas de folga

sossego

há sempre o que fazer
há sempre o que não fiz
há sempre o que farei
há sempre
há sempre

esse desassossego
fim de domingo
ao som da tv

a vida pelo ralo
desperdício de ser

dias passados no vaso
reino refúgio solitário

até o pé formigar
e o real imperar sanitário

certos meninos espertos
imaginaram a vida
doença da morte

fungo no vácuo
poço de vermes
à beira do nada

sem querer acertaram
na mosca do lado

estranha urgência
essa
distorcida em grito
de raio paralisador
estranha urgência
essa
certeza da
essa

o diabo do byron
matinal azul
a corroer meu fígado
embaçar meu humor o
baço
o diabo no menino
eu aos oito
no adolescente metido
a blue
o diabo do byron ainda
mal será azul do século
que se abre em terror
pressão de ser

presa
nessa pressa
depressão

o branco
o diabo azul
o sempre
o todo dia

o mais que profundo
o chumbo
o horror

o sono
o sono

o diabólico
o diabo
o dia

o grave
o acordar é o

desespertador

in  Na Lata, Editora Iluminuras, 2013